quinta-feira, 22 de junho de 2017

Trinta Anos de Poesia



Foi na sala da casa de Luzia,
Minha avó, minha grande professora,
Que escutei sua voz acolhedora,
E, escutando-a, viagens eu fazia.
Ia além do sertão, onde vivia,
Para reinos longínquos, irreais,
Em benditos, cantigas, madrigais,
No romance de “Jorge e Juliana”,
Garimpado da verve soberana
Da mestria dos bardos ancestrais.

Dela ouvia os romances de cordel,
Muitos deles gravados na memória,
“Zezinho e Mariquinha”, a linda história,
De um casal que ao amor era fiel,
“Juvenal e o Dragão”, do menestrel
Que, hoje sei, se destaca entre seus pares,
Adentrando, orgulhoso, muitos lares,
Com a sua assombrosa inteligência:
É Leandro esse herói por excelência,
Criador dos enredos singulares.

Foi na Ponta da Serra, onde nasci,
Inda à luz da candeia a querosene,
Que a cultura do povo, a mais perene,
Com os olhos brilhando conheci.
Nesse tempo, me lembro, ainda li
O valente herói “João Acaba-Mundo”,
“Três Conselhos da Sorte”, o mais profundo
Dos romances com temas enlevados”,
Também li “Três Cavalos Encantados,
De José Camelo, um autor fecundo.

Minha avó foi embora desta terra,
Mas deixou para sempre o seu exemplo.
As lições que legou são como um templo
Que do ser no profundo d’alma encerra.
Sua luz brilhou na Ponta da Serra,
E inda brilha nos contos e cantigas,
Que nos falam de amores e de intrigas,
Nos meus medos, saudades, preces, ritos,
Nos abismos que geram infinitos,
Nas memórias tão novas, tão antigas.

O doutor Pensamento me conduz
Para as plagas da Serra do Ramalho,
Para onde o meu pai, hoje grisalho,
Se mudou, carregando a sua cruz.
E foi lá, com as graças de Jesus,
Que escrevi um romance hoje afamado,
Num caderno que tenho ainda guardado,
Sob a sombra de um belo flamboaiã,
Esse livro é pra mim um talismã,
E foi pela Luzeiro publicado.

Escrevi desde os seis anos histórias,
Versos soltos, poemas de ABC,
Mas “O Herói da Montanha Negra” é o que
Reuniu em si as muitas memórias.
Outras obras, quais aves migratórias,
São lembranças que guardo com apreço,
Mesmo as que se perderam, não esqueço,
Mas “O Herói”, para mim, é o limiar
Que mostrou aonde eu posso chegar,
O que quero, o que faço e o que teço.

Tinha então treze anos, e a vontade
De, munido da pena e do papel,
Ser um bardo, um aedo, um menestrel,
Viajando entre o campo e a cidade,
A levar para o povo a novidade
Ansiada, depois da faina dura.
Muita gente falou que era aventura,
E o melhor era ter algum emprego
Que pudesse gerar paz e sossego,
Pois sonhar não passava de loucura.

Fui menor aprendiz, fui professor,
Raleei algodão, tangi boiada,
Palmilhei muita terra, muita estrada,
Conheci a paixão e o desamor,
Alegria, tristeza, fome e dor,
Mas jamais, dos meus sonhos abri mão.
Mesmo tendo deixado o meu sertão,
Meu sertão, que jamais saiu de mim,
Seguirá em minha alma até o fim,
A pulsar junto do meu coração.

Trinta anos de estrada... Lá distante
Escutei o chamado da aventura,
E entendi que, depois da noite escura,
Descortina uma Aurora radiante
E que é sempre preciso ir adiante,
Tendo medo somente do temor,
Na sagrada missão do trovador,
Que faz dessa aridez jardim florido,
E o Futuro, esse deus desconhecido,
Saberá premiar o contendor.

O que vem pela frente, quem dirá?
O que importa é seguir de fronte erguida,
O que importa é cantar, louvar a vida,
O que importa é viver o hoje, o já.
A aquarela que descolorirá,
Em poesia sublime decantada,
É a prova de que sua jornada,
Com tropeços e acertos, segue em frente,
O que importa é ser gente, porque gente
É quem ama o que faz. O resto é nada.

Marco Haurélio


Adendo: Dia 24 de junho, estarei celebrando 30 anos de Cordel e lançando o livro O Cavaleiro de Prata (Editora de Cultura) na Livraria Nove Sete.

Nenhum comentário: